Quem viaja à Europa já está praticamente livre das restrições impostas pela Covid-19, mas talvez tenha de enfrentar outros problemas, como driblar os cancelamentos e atrasos consequentes das greves dos funcionários de empresas aéreas, férreas e de ônibus por melhores salários e condições de trabalho.
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Como o que houve em 17 de fevereiro, depois que uma paralisação total dos empregados dos aeroportos suspendeu as operações aéreas em toda a Alemanha, forçando a Lufthansa, maior companhia do país, a cancelar mais de 1.300 voos. Muita gente teve de passar a noite acampada por não ter para onde ir.
— Estava todo mundo cansado e desesperado, sem saber o que fazer — disse Kate Kennedy, de 43 anos, que fazia escala em Frankfurt rumo a Londres com a família quando a volta para casa foi interrompida.
Ela, a irmã, os respectivos companheiros e quatro crianças pequenas passaram praticamente um dia inteiro esperando ser encaixados em outros voos:
— A Lufthansa também não ajudou muito. Uma pena que as férias tenham terminado assim.
Os especialistas do setor já antecipam uma temporada agitada, com o movimento em muitos destinos europeus alcançando — e, em muitos casos, superando — o volume pré-pandemia. Acontece que a inflação alta também continua a pressionar o trabalhador europeu, que reclama de salários baixos e sobrecarregamento, e por isso as greves devem atingir a aviação e os transportes ferroviário e metroviário.
— O clima vai ser de incerteza, o que deve gerar muitas alterações e dores de cabeça para os passageiros — previu Henry Harteveldt, fundador do Grupo de Pesquisa Atmosphere, voltado para o setor das viagens e situado nos EUA.
Veja aqui como as disputas trabalhistas na Europa podem afetar as viagens ao continente nas próximas semanas e meses.
1) Quem está em greve e onde?
Vários países estão esperando atos abrangentes nos próximos meses. No Reino Unido, os funcionários do setor da alfândega (Border Force) estão planejando parar em 15 de março, como também os operadores de metrô de Londres — engrossando a greve que já vem paralisando o setor.
A França, onde a revolta contra o plano do governo de aumentar a idade de aposentadoria só faz crescer, planeja para 7 de março um movimento envolvendo diversos segmentos — incluindo a empresa férrea nacional, a SNCF —, o que deve interromper a circulação de muitos trechos. Segundo os sindicalistas, essas interrupções podem continuar.
Os controladores de voo espanhóis, em impasse nas negociações salariais, pararam em algumas segundas-feiras de fevereiro e pretendem continuar com o protesto em março, mas às terças, em pelo menos 16 aeroportos do país. A Swissport, empresa com sede em Zurique que oferece mão de obra terrestre para várias empresas aéreas, confirmou que seus funcionários sindicalizados na Espanha estão planejando cruzar os braços em março, e a situação pode se estender até abril.
Segundo o Ministério de Infraestrutura e Transportes da Itália, os carregadores de bagagem, os ferroviários e parte dos funcionários do transporte público estarão em greve durante o mês de março. Já o Ver.di, um dos sindicatos responsáveis pela greve alemã, anunciou que está de sobreaviso para manter as paralisações caso as negociações não solucionem o impasse.
2) Como posso me planejar?
De acordo com os especialistas, a primeira coisa a fazer é ver se a data da viagem coincide com a da greve planejada, e obviamente evitá-la quando possível. Normalmente, os avisos saem com várias semanas de antecedência.
— Mas é bom fazer a própria pesquisa em vez de ficar esperando informações importantes da companhia ou da agência. Sem dúvida, não é um período fácil para viajar; é preciso tomar a iniciativa de se proteger — aconselhou Harteveldt.
Isso inclui espiar continuamente os sites locais de notícias e ativar alarmes para as datas de greve. As autoridades de alguns países, inclusive da Itália, fornecem até um calendário das paralisações nacionais e regionais.
A Eurail BV, que vende passes de trens europeus, mantém uma lista dos movimentos já marcados por país. Harteveldt sugeriu inclusive antecipar/atrasar a viagem alguns dias se você estiver indo a um evento inadiável, como um casamento ou um funeral.
— Não se esqueça de conferir se a empresa aérea ou o agente de viagens, se for o caso, têm seus dados atualizados para avisar se houver mudanças de última hora. Se acontecerem, prepare-se para assumir compromissos e aceitar rotas alternativas para chegar ao destino final. Se estiver pensando em vir à Europa, procure fazer as reservas com a maior antecedência possível — aconselhou Sean Tipton, porta-voz da ABTA, associação comercial de agentes de viagem britânicos.
Rob Stern, também agente, dá um conselho prático aos clientes que estão indo para locais em que há grandes chances de greves: visite tudo que lhe interessa nos primeiros dias, evite passeios que duram o dia inteiro e trace um Plano B, fazendo reservas alternativas antecipadamente, se possível. Já o escritor de viagens e apresentador de TV Rick Steves disse:
— As greves podem assustar um pouco, mas não precisa ser caso de estresse; normalmente, como são anunciadas com muita antecedência, quem é flexível sempre encontra alternativas. Também vale perguntar ao pessoal do hotel, aos moradores, ficar de olho nos avisos e na internet para saber o que fazer.
3) Quais são meus direitos se eu for prejudicado por atrasos/cancelamentos?
Segundo as regras da União Europeia, se uma companhia aérea cancelar ou tiver um atraso significativo, o viajante que estiver chegando, saindo ou se movimentando dentro de seus limites (com algumas exceções) tem direito a reembolso ou recolocação em outro voo da mesma empresa ou parceira. Elas valem também para o Reino Unido, ainda que este não faça mais parte do bloco.
Se o atraso for de um dia para o outro, você pode ter direito a reembolso pelas despesas pessoais, como alimentação e acomodação; se for de, no mínimo, três horas, também é possível pedir uma indenização entre 250 e 600 euros, dependendo da distância. A aérea fica desobrigada a ressarcir em caso de circunstâncias extraordinárias, como condições meteorológicas extremas ou greve de outra categoria não relacionada a si própria, como a dos controladores de voo.
Segundo Igor Mass, fundador do My Fly Right — grupo com sede na Alemanha que oferece ajuda legal a cerca de cem mil passageiros por ano na Europa em busca de indenização por cancelamentos, atrasos e perda de bagagem —, muitos viajantes estrangeiros na Europa não conhecem seus direitos, que incluem reembolso por extravio de malas resultante de uma paralisação. Ele os aconselha a documentar todos os perrengues, pedindo e guardando confirmações de atraso por escrito e recibos de gastos extraordinários para poder reivindicar os valores depois.
Se esses pedidos serão atendidos rapidamente, aí é outra história, pois depende da aérea. Seu setor de atendimento ao consumidor e as agências de viagem podem ficar congestionados se a paralisação afetar as operações, o que pode levar a um tempo longo de espera para obter assistência.
Se a viagem exigir conexões, Tipton sugere a compra de uma passagem, e não de bilhetes picados, pois, de acordo com a legislação da União Europeia e do Reino Unido, isso faz com que a empresa aérea seja responsável pela chegada do passageiro ao destino final.
— Se você perder a primeira conexão, é problema da companhia, que vai ter de colocá-lo em um voo de volta para casa.
Em caso de greve, a maioria das empresas ferroviárias europeias oferece reembolso ou a possibilidade de remarcação, mas é sempre bom dar uma olhada no site da operadora para ver se há atualizações. O da Comboios de Portugal, por exemplo, conta com alertas e informações de como obter reembolso em caso de paralisações.
4) Vale a pena fazer seguro de viagem?
Se você tiver cartão de crédito, verifique primeiro se ele inclui seguro que cubra situações de greve.
— Veja o que cobre e se há limites de valor ou outras restrições. A partir daí, depende de cada um; há quem prefira ter uma segurança adicional — aconselhou Harteveldt.
— Algumas opções cobrem despesas imprevistas, como as diárias perdidas do hotel ao qual você não vai chegar a tempo — completou Stern.
Se você decidir adquirir proteção extra, leia com atenção os termos e condições. Em alguns casos não há cobertura para as consequências da greve já marcada na época em que você adquiriu a apólice.
5) Alguma outra dica?
— Mesmo que seus planos sejam afetados por uma greve, é importante não se angustiar nem se estressar demais com as consequências. É mais uma inconveniência do que um desastre, e pode até proporcionar uma nova perspectiva ao turista — afirmou Tipton.
— A melhor coisa a fazer é encarar como uma experiência cultural. Eu estava em Marselha quando peguei uma. Fui visitar as feirinhas, tirei foto dos grevistas levando os filhos nos ombros, aprendi muita coisa sobre reivindicação trabalhista — relatou Steves.
Já os problemas recorrentes da paralisação dos funcionários dos aeroportos alemães de fevereiro renderam mais do que um dia de viagem para Kennedy e sua família.
— Ficamos seis horas no aeroporto, esperando, até que percebemos que não teria jeito; seríamos obrigados a passar a noite em Frankfurt. As crianças estavam mortas. Não gostei nem um pouco do atendimento que recebi da Lufthansa, e estou pensando em pedir indenização pelos atrasos. Ah, e uma sugestão para quem está viajando nesta época: levem todos os carregadores na mala de mão.
Apesar da dor de cabeça, porém, ela não tem medo de voltar a viajar — tanto que já está planejando visitar a irmã que mora na Dinamarca na Páscoa.
— Mas, depois da experiência em Frankfurt, vou pesquisar melhor a situação do nosso destino para saber qual a probabilidade de haver greves.